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biografia de lampião e maria bonita
biografia de lampião e maria bonita

Existe uma grande polêmica em torno desse personagem fantástico que foi Lampião . Quem foi? Um bandido sanguinário, assassino e perverso? Um homem revoltado? Um justiceiro? Herói? Como conseguiu sobreviver tanto tempo lutando contra sete estados com poucos homens? 

Na realidade muitas histórias se contam sobre ele, sua vida e suas andanças. Sanfoneiro, repentista, cantador, poeta, místico, muitas vezes juiz outras enfermeiro e até dentista, Virgulino gozou do respeito e da admiração da maioria da população pobre e oprimida do Nordeste. Odiando a injustiça e o poder sufocante do coronelismo, imperante na região, Lampião era a referência do povo contra os poderosos. Bandeou-se para o cangaço, por ser essa a única opção daqueles que, vítimas da perseguição dos poderosos coronéis, queriam lutar ou vingar-se de alguma forma. 

Homem de fibra, coragem, inteligência superior, grande estrategista militar, exímio atirador e disposto a fazer justiça com as próprias mãos, semeou o terror contra seus inimigos em suas andanças pelos estados de: Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe. 

Apesar das agruras da vida de cangaceiro, conseguia ser alegre, festeiro, protetor de sua família perseguida, um homem de fé e esperança .

Pelas inúmeras pessoas que matou e feriu, angariou o ódio de muitos e até de familiares, que, por sua causa, foram mais perseguidos, muitos mortos ou com suas vidas arrasadas pelas volantes da polícia. 


Capitão Virgulino 
Lampião 

Em 04 de junho de 1898 nasceu Virgulino Ferreira da Silva, na fazenda Ingazeira de propriedade de seus pais, no Vale do Pajeú, em Pernambuco, terceiro filho de José Ferreira da Silva e D. Maria Lopes. Seus pais casaram no dia 13 de outubro de 1894, na Matriz do Bom Jesus dos Aflitos, em Floresta do Navio, tendo seu primeiro filho em agosto de 1895, que chamaram Antônio em homenagem ao avô paterno. O segundo filho nasceu dia 07 de novembro de 1896, e foi chamado de Livino. Depois de Virgulino, o casal teve mais seis filhos, quase que ano a ano que foram: Virtuosa, João, Angélica, Maria (Mocinha), Ezequiel e Anália. 

Virgulino foi batizado aos três meses de nascido, na capela do povoado de São Francisco, sendo seus padrinhos os avós maternos: Manuel Pedro Lopes e D. Maria Jacosa Vieira. A cerimônia foi oficiada por Padre Quincas, que profetizou: 

- "Virgulino - explicou o padre - vem de vírgula, quer dizer, pausa, parada." E arregalando os olhos: - "Quem sabe, o sertão inteiro e talvez o mundo vão parar de admiração por ele". 

Quando menino viveu intensamente sua infância, na região que chamava carinhosamente de meu sertão sorridente! Bricava nos cerrados, montava animais, pescava e nadava nas águas do riacho, empinava papagaio, soltava pião e tudo o mais que fazia parte dos folguedos de seu tempo de menino. 

A esperteza do menino o fez cair nas predileções de sua avó e madrinha que aos cinco anos o levou para a sua casa, a 150 metros da casa paterna. 

À influência educativa dos pais, que nunca cessou, acrescentou-se a desta senhora - a "Mulher Rendeira" - a quem o menino admirava quando ela, com incrível rapidez das mãos, trocando e batendo os bilros na almofada e mudando os espinhos e furos, tecia rendas e bicos de fino lavor 

A primeira comunhão de Virgulino foi aos sete anos na capela de São Francisco, em 1905, juntamente com os irmãos Antônio (dez anos) e Livino (nove anos). A crisma aconteceu em 1912, aos quatorze anos e foi celebrada pelo recém empossado primeiro bispo D. Augusto Álvaro da Silva, sendo padrinho o Padre Manuel Firmino, vigário de Mata Grande, em Alagoas. 

No lugar onde nasceu não havia escola e as crianças aprendiam com os mestres-escola , que ensinavam mediante contrato e hospedagem, durante períodos de três a quatro meses nas fazendas.Seu aprendizado com foi os professores Justino Nenéu e Domingos Soriano Lopes. 

Ainda menino já trabalhava, carrregando água, enchiqueirando bodes, dando comida e água aos animais da fazenda, pilando milho para fazer xerém e outras atividades compatíveis com sua idade. Mais tarde, jovem, robusto passou aos trabalhos de gente grande: cultivava algodão, milho, feijão de corda, abóbora, melancia, cuidava da criação de gado, e dos animais. Posteriormente tornou-se vaqueiro e feirante . 

Seu alistamento eleitoral e de seus dois irmãos Antônio e Livino foi feito em 1915 por Metódio Godoi, apesar de não terem ainda os 21 anos exigidos por lei. Sabe-se que votaram três vezes: em 1915, 1916 e 1919. 

A vida amorosa dos três irmãos era como a de qualquer jovem de sua idade, e se não houvessem optado pela vida de cangaceiro, certamente teriam cada um constituído sua família e tido um lar estável como foi o de seus familiares. Até entrar para o cancaço, Virgulino e seus irmãos eram pessoas comuns, pacíficos sertanejos, que viviam do trabalho (trabalhavam muito como qualquer sertanejo) na fazenda e na feira onde iam vender suas mercadorias. Virgulino Ferreira da Silva na certa seria sempre um homem comum, se fatos acontecidos com ele e sua família (que narraremos na página "Porque Virgulino entrou para o cangaço") não o tivessem praticamente obrigado a optar pelo cangaço como saída para realizar sua vingança. Viveu no cangaço durante anos, vindo a falecer numa emboscada no dia, na fazenda Angicos, no estado de Alagoas. 
A Mulher Rendeira

Virgulino, por ser muito esperto, atraiu a predileção de sua avó e madrinha de batismo, D. Maria Jacosa. Quando o menino completou cinco anos de idade, levou-o para morar em sua casa. 

O menino espantava-se com a rapidez com que sua avó trocava e batia os bilros na almofada, mudando os espinhos nos furos, tecendo rendas e bicos de refinado gosto. 

Virgulino foi educado tanto pelos pais quanto pela avó, a mulher rendeira. A casa da avó ficava a cento e cinquenta metros da casa paterna e, o menino brincava no terreiro das duas casas.Mais tarde, em homenagem a sua avó, comporia a música que serviria de hino de guerra para suas andanças: "mulher rendeira". 

"Houve grande empenho em destruir a memória de Lampião . 

Primeiro, arrasaram-lhe na Ingazeira a casa paterna e natal e a dos avós maternos, deixando unicamente restos dos torrões dos alicerces." (Frederico Bezerra Maciel) 
Porque Lampião era chamado de Capitão?

Muito curiosa a história de sua patente de oficial do exército, obtida do governo federal. 

No início do ano de 1926, a Coluna Prestes percorria o Nordeste em sua peregrinação revolucionária, trazendo apreensão aos governantes e colocando em risco a segurança da nação segundo avaliação do governo central. 

Em meados de janeiro, estavam prontos para entrar no Ceará. A tarefa de organizar a defesa do estado coube, em parte, a Floro Bartolomeu, de Juazeiro. A influência de Floro, perante todo o país, devia-se ao seu estreito relacionamento com o Padre Cícero Romão. Por sugestão do Padre Cícero, só havia em todo Nodeste uma pessoa que poderia combater a Coluna e sair-se bem da empreitada. Indicou então o nome de Virgulino. 

Floro reuniu uma força de combate, composta, em sua maioria, de jagunços do Cariri. Os Batalhões Patrióticos, como foram chamados, ganharam armas dos depósitos do exército, porque tinham apoio material e financeiro do governo federal. 

A tropa, organizada, foi levada por Floro a Campos Sales, no Ceará, onde se esperava a invasão. Floro mandou uma carta a Virgulino, convidando-o a fazer parte do batalhão. 

O convite foi aceito nos primeiros dias de março, quando a Coluna Prestes já estava na Bahia. Em virtude da doença e posterior morte de Floro, em 8 de março, coube ao Padre Cícero a recepção a Lampião . 

Lampião chegou à vizinhança de Juazeiro no princípio de março de l926. Só atendeu ao convite porque reconheceu a assinatura de Cícero no documento. Acompanhado por um oficial dos Batalhões Patrióticos, entrou na comarca de Juazeiro em 03 de março, tendo os cangaceiros uma conduta exemplar. Prometeram a ele, o seu perdão e o comando de um dos destacamentos , caso aceitasse contaber os revoltosos. Lampião e seu bando, entrou na cidade no dia 04 de março. Na audiência com o Padre Cícero, foi lavrado um documento, assinato por Pedro de Albuquerque Uchôa, inspetor agrícola do Ministério da Agricultura, nomeando Virgulino capitão dos Batalhões Patrióticos. Esse documento dava livre trânsito a Lampião e seu grupo, de estado a estado, para combater a coluna. 

Receberam uniformes, armamentos e munição para o combate. 

Lampião já tinha pensado muitas vezes em deixar o cangaço. Sem dúvida, aquela era uma grande oportunidade, proporcionada pelo seu protetor e padrinho Padre Cícero. Estava disposto a cumprir sua parte no trato e todas as promessas feitas ao Padre. 

Daquele momento em diante, passou a chamar a si próprio de "Capitão Virgulino".
Maria Bonita

Até 1930, ou início de 31, não se tem registro da existência da mulher no Cangaço. 

Aparentemente, Lampião foi o primeiro a arranjar uma companheira. Maria Déia, que ficou conhecida posteriormente como Maria Bonita, foi a companheira de Virgulino até a morte de ambos. Maria Bonita chamava-se Dona Maria Neném, e era casada com José Nenem. Foi criada na pequena fazenda, de propriedade de seu pai, em Jeremoabo/Bahia e vivia em companhia do marido na cidadezinha de Santa Brígida. Maria não tinha bom relacionamento com o marido. 

Lampião costumava passar várias vezes pela fazenda dos pais de Maria, porque a mesma ficava na fronteira entre Bahia e Sergipe. Os pais de Maria Bonita, sentiam pelo Capitão uma mistura de respeito e admiração. A mãe contou a Lampião que sua filha era sua admiradora. Um dia, ao passar pela fazenda, Virgulino encontrou Maria e apaixonou-se à primeira vista. Dias depois quando o bando retirou-se, já contava com a presença dela ao lado de Lampião , com o consentimento de sua mãe. 

Maria Bonita representava o típo físico da mulher sertaneja: baixa, cheinha, olhos e cabelos escuros, dentes bonitos, pele morena clara. Era uma mulher atraente.
Governador do Sertão

Durante o tempo em que esteve preso por Lampião , Pedro Paulo Magalhães Dias (ou Pedro Paulo Mineiro Dias), inspetor da STANDAR OIL COMPANY (ESSO), conhecido como Mineiro, testemunhou a vida dos cangaceiros e traçou o perfil de Virgulino, segundo sua avaliação. 

Lampião pediu à empresa um resgate de vinte contos de réis pelo prisioneiro e acertou que se o resgate não fosse pago, mataria Mineiro. Mineiro viveu os dias de cativeiro, atormentado por terrível temor de ser morto por Lampião . Finalmente, percebendo o estado de espírito do prisioneiro, Virgulino tranquilizou-o afirmando: 

- "Se vier o dinheiro eu solto, se não vier eu solto também, querendo Deus". 

Resolveu libertar Mineiro, antes porém, teve uma longa conversa com ele. 

Falou para Mineiro, por sentir-se naquele momento Senhor Absoluto do Sertão, que poderia ser Governador do Sertão. Mineiro perguntou-lhe, caso fosse governador, que planos teria para governar.Ficou surpreso com as respostas, que revelaram ter Virgulino conhecimento da situação política da região, conhecento seus problemas mais urgentes. 

Lampião afirmou: 

- "Premero de tudo, querendo Deus, Justiça! Juiz e delegado que não fizer justiça só tem um jeito: passar ele na espingarda! 

Vem logo as estradas para automóvel e caminhão! 

- Mas, o capitão não é contra se fazer estrada? - objetou Mineiro. 

- Sou contra porque o Governo só faz estrada pra botar persiga em cima de mim. Mas eu fazia estrada para o progresso do sertão. Sem estrada não pode ter adiantamento, Fica tudo no atraso. 

Vem depois as escolas e eu obrigava todo mundo a aprender, querendo Deus. 

Botava, também, muito doutor (médico) para cuidar da saúde do povo. 

Para completar tudo, auxiliava o pessoal do campo, o agricultor e o criador, para ter as coisas mais barato, querendo Deus" (Frederico Bezerra Maciel). 

Mineiro ouviu e concordou com Virgulino. O que acabara de ouvir representava uma parte da sabedoria do cangaceiro. 

Lampião então, senhor de si, ditou para Mineiro, uma carta para o governador de Pernambuco, com a seguinte proposta: 

" Senhor Governador de Pernambuco. 

Suas saudações com os seus. 

Faço-lhe esta devido a uma proposta que desejo fazer ao senhor pra evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas... Se o senhor estiver de acordo, devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou Capitão Virgulino Ferreira Lampião , Governador do sertão, fico governando esta zona de cá, por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o que convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda os seus macacos me emboscar, nem eu com os meninos atravessamos a extrema, cada um governando o que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz que eu tenho e para que não se diga que sou bandido, que não mereço. 

Aguardo resposta e confio sempre. 

Capitão Virgulino Ferreira Lampião , Governador do Sertão. 

Seria Mineiro o portador dessa carta, colocada em envelope branco, tipo comercial, com a subscrição: 

- Para o Exº Governador de Pernambuco - Recife" (Frederico Bezerra Maciel) 

Mineiro notou que quase todos os cangaceiros eram analfabetos. Lampião sabia ler bem, mas escrevia com muita dificuldade. Antonio Ferreira lia com dificuldade e não escrevia. Apenas Antônio Maquinista, ex-sargento do Exército, sabia ler e escrever. 

Enfim Lampião solta Mineiro, num ato que se transformou em festa, com muitos discursos e a emoção dos participantes. 

Mineiro reconheceu nos cangaceiros, pessoas revoltadas contra a situação de abandono do sertão. Agradeceu a Deus os dias que passou na companhia de Lampião e seus cabras. Teceu elogios a Virgulino por sua personalidade capaz e inteligente. Afirmou que levava a melhor impressão de todos e que iria propagar, que o capitão e os seus, não eram o que diziam deles. 

Lampião pediu então a Mineiro que dissesse ao mundo a verdade. 

Despediu-se mineiro de todos, abraçando um por um os cangaceiros: 

Luís Pedro, Maquinista, Jurema, Bom Devera, Zabelê, Colchete, Vinte e dois, Lua Branca, Relâmpago, Pinga Fogo, Sabiá, Bentevi, Chumbinho, Az de Ouro, Candeeiro, Vareda, Barra Nova, Serra do Mar, Rio Preto, Moreno, Euclides, Pai Velho, Mergulhão, Coqueiro, Quixadá, Cajueiro, Cocada, Beija Flor, Cacheado, Jatobá, Pinhão, Mormaço, Ezequiel Sabino, Jararaca, Gato, Ventania, Romeiro, Tenente, Manuel Velho, Serra Nova, Marreca, Pássaro Preto, Cícero Nogueira, Três cocos, Gaza, Emiliano, Acuana, Frutuoso, Feião, Biu, Sabino 

Fonte: www.geocities.com
Lampião
VIRGULINO FERREIRA DA SILVA

"Olê mulher rendeira / Olê mulher rendá / Tu me ensina a fazer renda / Que eu te ensino a namorar." Esses versos, quando soavam no sertão nordestino dos anos 20 e 30, podiam ser prenúncio de muito sangue - ou de muita festa. Lampião e seu bando entravam nas vilas cantando. Se a população negasse o que queriam - dinheiro, comida, apoio -, eles revidavam.

Seqüestravam crianças, incendiavam fazendas, matavam rebanhos, estupravam, assassinavam e torturavam. Se fossem atendidos, organizavam bailes e davam esmolas. Por isso, quando ouvia Mulher Rendeira, que aliás é de autoria de Lampião , a gente sertaneja oscilava entre o pavor e a curiosidade. Ou fugia ou ia espiar pelas frestas, para ver aquele cuja fama já fascinava o país.

Apesar de terem sido cenários de barbaridades praticadas por Lampião , duas cidades nordestinas querem erguer estátuas em sua homenagem. E a população aprova. A imagem de herói supera a de facínora.
Mais mito que verdade

No interior do Pernambuco, o culto já exige monumentos. No dia 7 de julho, quando, segundo o Registro Civil, se comemoram 100 anos do nascimento de Lampião , o município de Triunfo lançará a pedra fundamental de uma estátua de 32 metros de altura para homenageá-lo. Com o apoio do povo. Triunfo segue o exemplo da vizinha Serra Talhada, ex-Vila Bela, terra natal do cangaceiro, que, em 1991, organizou um plebiscito para saber se ele merecia uma honraria dessas. O resultado foi sim e a estátua só não existe ainda por falta de verbas.

Bem antes de morrer, Lampião já inspirava poemas, músicas e livros. Uma propaganda de remédio chegou a comparar os males que ele causava à sociedade com os distúrbios provocados pela prisão de ventre. Mas a referência ao cangaceiro como figura nociva era exceção. Em geral, ele era tratado como herói, um nobre salteador, que tomava dos ricos para dar aos pobres. Em 1931, o mais importante jornal americano, The New YorkTimes, divulgou essa versão caridosa do criminoso.

Com o tempo, o mito só cresceu. Este ano serão lançados mais três filmes (Corisco e Dadá, O Cangaceiro e O Baile Perfumado) e uma novela (Mandacaru, na Rede Manchete) sobre Lampião . Isso sem falar nos livros. E muitas dessas obras continuam mistificando o bandido, como se houvesse algum glamour em sua biografia.
O começo de uma carreira de horrores

Lampião inspirou muita literatura, mas não foi a origem da palavra cangaço. No século XIX, ela já designava bandoleiros nordestinos que carregavam o rifle deitado sobre os ombros, lembrando a canga, arreio de madeira que vai sobre o pescoço dos bois, e o nome pegou. Canga, cangaço, cangaceiro.

O pernambucano Cabeleira, nascido em 1751, foi o primeiro a virar mito. Acabou enforcado. Lucas da Feira, de 1807, também foi executado, mas antes viajou ao Rio para estar com 

D. Pedro II, que desejava conhecê-lo. Depois vieram Jesuíno Brilhante, Meia Noite, Antonio Silvino e Sinhô Pereira. Foi no bando deste último que Virgulino Ferreira da Silva ingressou, aos 24 anos.

Filho de um pequeno proprietário rural, o rapaz sabia ler e era hábil artesão em couro. Mas entortou sua biografia em l 915, quando acusou um empregado do vizinho José Saturnino de roubar uns bodes.

A rixa entre as famílias durou anos. Em 1919, Virgulino e dois irmãos, Livino e Antônio, caíram no crime. Matavam gado do inimigo e assaltavam.

No encalço dos três irmãos, a polícia prendeu um quarto, o inocente João. O pai, José Ferreira, fugiu. No caminho, hospedou-se na casa de um amigo, onde foi morto pela polícia. Virgulino, diz a lenda, jurou: "De hoje em diante vou matar até morrer "
Crueldades varrem o Sertão

Não dá para enumerar as atrocidades cometidas por Lampião . Sob o escudo da vingança, ele tornou-se um "expert" em "sangrar" pessoas, enfiando-lhes longos punhais corpo adentro entre a clavícula e o pescoço. E consentiu que marcassem rostos de mulheres com ferro quente, Arrancou olhos, cortou orelhas e línguas. Castrou um homem dizendo que ele precisava engordar.

Não há nada que justifique práticas assim. Mas muitos pesquisadores tentam explicá-las. " Lampião é um produto do seu meio", arrisca Paulo Medeiros Gastão, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, com sede em Mossoró (RN). "Ele foi levado por fatores ligados à vida no sertão, como ignorância, secas, ausência de governo e de Justiça", diz Gastão. Mas argumentos assim, alegados por muitos estudiosos, não são suficientes para entender Lampião . É o que garante o historiador americano Billy Jaynes Chandler, especialista do assunto: "Sua história, com todas as suas excentricidades, é toda dele".

O ambiente em que o bandido cresceu, porém, tem seu peso. De acordo com Vera Lúcia F. C. Rocha, da Universidade Estadual do Ceará, "o código de honra do sertão não culpabiliza os homens que matam por vingança, mas enaltece sua coragem". Vera, que acaba de lançar o livro Cangaço: Um Certo Modo de Ver, lembra que aquela sociedade repete para os meninos: "Seja homem". Será que era a essa expectativa que Virgulino Ferreira tentava atender?

Ele não tinha compromisso com classes sociais, embora tenha surgido num ambiente de injustiça. Era amigo de qualquer um que o apoiasse e inimigo dos que o contrariavam.

Fossem coronéis ou miseráveis. 

Nada a ver com Robin Hood

Não são poucos os que vêem em Lampião um Robin Hood nordestino. "Ele foi bandido, mas também teve atitudes de distribuir o que tomava", diz o pesquisador Antônio Amaury C. de Araújo, de São Paulo, que escreveu seis livros sobre o cangaço. É, houve passagens assim. Em 1927, o bando entrou em Limoeiro do Norte (CE) jogando moedas para as crianças. Cena semelhante acontecera em Juazeiro, quando, num dos mais absurdos episódios da história brasileira, o bandido foi convocado para combater a Coluna Prestes (veja o infográfico).

"Mas Lampião nunca escolheu aliados em função da classe social", diz o antropólogo Villela. "Pobres e ricos, oprimidos e opressores, todos eram bons desde que satisfizessem suas exigências. Todos eram inimigos desde que se opusessem a seus propósitos."

O historiador inglês Eric Hobsbawm chegou a classificá-lo como um "bandido social" - não exatamente um Robin Hood, mas um tipo vingador. "Sua justiça social consiste na destruição", disse Hobsbawm, que foi criticado pela avaliação. Billy Chandler, por exemplo, acha que Lampião só poderia ser considerado um bandido social por ter raízes em um ambiente injusto, nunca por se preocupar com a justiça social.

Villela concorda. Para ele, Lampião resistiu a um tipo de migração vergonhosa, a migração do medo, que empurrava para longe gente ameaçada por inimigos ou pela policia. Para não passar por covarde, assumiu o nomadismo e a violência. As boas ações seriam um "escudo ético", na opinião de Frederico Pernambucano de Mello, superintendente de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. Lampião , apesar de perverso, queria ser visto como um homem bom.
Como o país armou Lampião 

Para combatera Coluna Prestes, marcha de militares revoltosos comandados pelo Capitão Luís Carlos Prestes, que depois tomou-se líder comunista, o governo se aliou ao cangaceiro em 1926.

Janeiro: o bandido é convocado

Com a coluna se aproximando do Ceará, Floro Bartolomeu, deputado federal do Estado, recruta uma força de defesa, os Batalhões Patrióticos, e vai com ela para Campos Sales (CE). Prepara uma carta convocando Lampião e a manda para o Padre Cícero endossar. Um mensageiro vai atrás de Lampião . Enquanto isso, Bartolomeu, adoentado, segue para o Rio.

Fevereiro: confusão entre inimigos

Aparentemente sem ter recebido a carta de Bartolomeu, Lampião cuida de seus interesse pessoais em Pernambuco. Invade a fazenda de um antigo inimigo, mata dois, fere dois e incendeia a casa. Saindo desse ataque, no mesmo dia, tem um combate com a coluna, mas pensa que está lutando com a polícia.

Março: defensor público por pouco tempo

Lampião recebe a carta e segue para Juazeiro. Acampa com 49 homens perto da cidade e mais de 4 000 curiosos vão vê-lo. No dia 5, se encontra com o Padre Cícero e recebe uma patente de capitão dos Batalhões Patrióticos, assinada, acredite, por um funcionário do Ministério da Agricultura. Mais tarde esse homem diria que, naquelas circunstâncias, assinaria até exoneração do presidente. Todos os cangaceiros recebem uniformes e fuzis automáticos. No dia 8, Floro morre.

Lampião parte decidido a cumprir o combinado, mas é perseguido em Pernambuco, o que o desaponta. Volta para falar com o Padre Cícero. Como este não o recebe, interrompe sua carreira de defensor público e retoma a rotina de crimes.

Apoio logístico de primeira

A formação que Lampião teve em casa valeu muito para sua brilhante atuação no cangaço. Com uma tropa de burros, sua família fazia frete de mercadorias. Virgulino aprendeu bastante sobre caminhos e viagens longas no trabalho com o pai. Além disso, conheceu muita gente do sertão. E tantos contatos acabariam sendo preciosos mais tarde.

A rede de apoio que ele tinha era fantástica, embora não fosse formada só de amigos. O historiador cearense Abelardo Montenegro definiu três tipos de carteiros, como eram chamados aqueles que davam proteção ao bandido: o involuntário, que tinha medo, o vingador, que queria usar seus serviços, e o comerciante, que visava lucro. De acordo com a também cearense Vera Rocha, para a polícia havia só dois tipos: os ricos, que queriam proteger suas propriedades, o que era considerado compreensível, e os pobres, que o admiravam, o que era inadmissível.

Na verdade, ninguém tinha coragem de negar ajuda ao cangaceiro. E todo mundo também morria de medo da polícia. Em 1932, quando a repressão acirrou, as volantes, tropas andarilhas, transformaram-se num terror. "Quem tivesse 16, 17 ou 18 anos tinha que se alistar no cangaço ou na volante, senão ficava à mercê dos dois"', costuma dizer Criança, ex-cangaceiro que mora hoje no litoral paulista.

Os coronéis não tinham esse problema. Lampião chegou a ser amigo do capitão Eronides Carvalho, médico do Exército que se tornaria governador de Sergipe em 1934. O próprio confessou, anos depois, ter arranjado, mais de uma vez, munição para o bando.

Nos intervalos entre um crime e outro, os cangaceiros rezavam e se divertiam. Organizavam bailes, para os quais se perfumavam exageradamente. Antes da entrada das mulheres no bando, homens dançavam com homens mesmo.

Em paz, somente com Deus

Em meio ao sangue, Lampião achava lugar para a religião. Nos acampamentos, rezava o ofício, espécie de missa. Carregava livros de orações e pregava fotos do Padre Cícero na roupa. Em várias das cidades que invadiu chegou a ir à igreja, onde deixava donativos fartos, exceto para São Benedito. "Onde já se viu negro ser santo?", dizia, demonstrando seu racismo. Supersticioso, andava com amuletos espalhados pela roupa. Levou sete tiros e perdeu o olho direito, mas acreditava-se que tinha o corpo fechado.

Em tempos de calmaria, os cangaceiros dividiam o tempo entre a fé e o prazer. Jogavam cartas, bebiam, promoviam lutas de homens e de cachorros, faziam versos, cantavam, tocavam e organizavam bailes. Para essas ocasiões se perfumavam muito. Mello informa que Lampião tinha preferência pelo perfume francês Fleur d'Amour. Balão, que viveu os últimos anos do cangaço, contou antes de morrer que eles usavam mesmo era Madeira do Oriente, bem mais popular. Há relatos de que os bandoleiros perfumavam até os cavalos quando andavam montados .

Em 1929, na cidade de Capela, Sergipe, Lampião pesou seu equipamento. Sem as armas e com os depósitos de água vazios, deu 29 quilos. E isso também não incluía a roupa, grossa o suficiente para protegê-lo dos espinhos da caatinga. O figurino inteiro era de grande valia. Ao lado, ele é mostrado por Corisco, um dos homens de confiança de Lampião , que tinha seu próprío bando, e sua mulher Dadá. Não é à toa que quando começaram a construir estradas no Sertão, Lampião ficou furioso, a ponto de matar muitos trabalhadores inocentes. Ele não precisava de estradas e sabia que elas seriam o seu fim.

Jeito estranho de constituir família

Muito se fala que Lampião respeitava as mulheres. Mas parece que não era bem assim. Consta que em 1923, num lugar chamado Bonito de Santa Fé (PB), ele deu início ao estupro coletivo da mulher de um delegado. Eram 25 homens. "Tirei muita mocinha das mãos de companheiros", conta Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, 73 anos, a viúva do cangaceiro José Sereno, que vive em São Paulo.

O líder também mandava marcar a ferro moças que usassem cabelos ou vestidos curtos. É possível que Maria Déa, a Maria Bonita, não soubesse dessas histórias quando se apaixonou por ele. Ela o conheceu em 1929 e, em 1930, deixou o marido, o sapateiro José Neném, para segui-lo. Assim, abriu as portas para a entrada de mulheres no bando. Segundo Frederico de Mello, era uma época de "mais idade, menos guerra e mais limpeza". Alguns estudiosos acreditam que as mulheres rivalizaram com as armas, desviando os homens da concentração militar. Teriam sido responsáveis pelo fim do cangaço.

De fato, algum problemas surgiram, como o nascimento de crianças. A solução foi dá-las para padres ou fazendeiros. Quando morria um companheiro, a viúva tinha de arranjar novo par. Por duas vezes isso não deu certo e a saída foi executar as mulheres. Rosinha e Cristina foram assassinadas para não ameaçar o grupo. Outro drama era o adultério. Lídia e Lili morreram por trair seus companheiros.

É curioso notar como, apesar de atitudes extremamente conservadoras com as mulheres, Lampião chegava a ser moderno em outros aspectos. Mandava cartas com papéis que tinham seu nome datilografado, tremenda novidade na região. De acordo com Mello, preocupado com falsificação de correspondência - houve quem tentasse se passar por ele para levantar um dinheirinho - mandou fazer cartões de visita com sua foto. E tinha até garrafa térmica. De um certo ponto de vista, pode-se dizer que levava uma vida sofisticada.

As táticas de guerrilha e a abundância de munição, conseguida com a própria polícia, ajudavam Lampião nos combates. Não há números certos, mas alguns estudos estimam que na guerra do cangaço houve pelo menos l 000 baixas.